domingo, 22 de fevereiro de 2015

Comentar sobre diferenças da tradução do episódio de Circe da Odisseia por George Chapman (1616) e Frederico Lourenço (2003)

Aqui podem deixar os vossos comentários sobre as traduções do episódio de Circe da Odisseia de Homero pelo inglês George Chapman e pelo português Frederico Lourenço, que estão respetivamente nas páginas da antologia 9-15 e 38-46, pedindo-se que prestem especial atenção às partes tracejadas na vertical nas margens das páginas.

É evidente que se trata de duas traduções a cujo texto de partida em grego dificilmente temos acesso, desconhecendo a língua. Mas o objetivo do exercício é perceber que circunstâncias idiossincráticas, epocais, temporais, sociais, etc podem explicar as diferenças de tradução, extrapolando também sobre quais seriam os "lugares de resistência" no texto de partida. Se tiverem curiosidade, aqui vai um link para o texto grego, onde podem procurar significados de palavra por palavra, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0135%3Abook%3D10%3Acard%3D1

Para complementar o trabalho de casa, existe o texto teórico de João Barrento (p. 112-121) que se foca sobre estratos / níveis de texto (p. 114-121) que será útil ter em conta numa análise comparativa.

Entusiasmem-se. Circe ameaça ser trespassada pela espada de Ulices.

(ilustração William Russell Flint, 1924)


8 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. É interessante o estilo completamente diferente optados pelos dois tradutores. O Charles Chapman por sua vez mostra inorme preocupação com a métrica, conseguindo manter a rima com êxito desde o início até o fim do texto, conservando o rítmo, obtendo os versos estruturados de forma harmoniosa. O Frederico mesmo com muito rítmo, ele parece inclinar-se por prosa-poética. Os versos são livres mas nunca perde a harmonia. Pela diferença temporal, pode-se sentir conservação do estilo tradicional por uma e liberdade na concessão de resultados pelo outro, obtendo algo mais fresh e acessível.

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  3. É interessante o estilo completamente diferente optados pelos dois tradutores. O Charles Chapman por sua vez mostra inorme preocupação com a métrica, conseguindo manter a rima com êxito desde o início até o fim do texto, conservando o rítmo, obtendo os versos estruturados de forma harmoniosa. O Frederico mesmo com muito rítmo, ele parece inclinar-se por prosa-poética. Os versos são livres mas nunca perde a harmonia. Pela diferença temporal, pode-se sentir conservação do estilo tradicional por uma e liberdade na concessão de resultados pelo outro, obtendo algo mais fresh e acessível.

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  4. É possível assinalar interessantes diferenças entre a tradução de George Chapman e a tradução de Frederico Lourenço. O texto de João Barrento permite ao leitor estar ainda mais atento a essas diferenças.
    Em termos de estrutura, de imediato se percebe que o texto em inglês tem rima, enquanto o texto em português não tem. Em termos de conteúdo, as diferenças relativas ao tempo em que as traduções foram feitas e às culturas dos povos a que se dirigem são também bastante evidentes.
    Seguem-se alguns exemplos recolhidos nos excertos assinalados em ambas as traduções.
    Na tradução de George Chapman, na linha 414/415 está “my mind of my assay/Much thought revolving.”, enquanto na tradução de Frederico Lourenço está “enquanto revolvia muitas coisas no coração”. Portanto, na tradução para inglês refere-se a “análise” (assay), enquanto na tradução para português se refere o coração. Isto deve-se provavelmente ao facto de os portugueses em geral serem mais emotivos e compreenderem melhor a inquietação de Ulisses se for utilizada a palavra “coração”. Na linha 418 da tradução de George Chapman pode ler-se “In a throne she placed/My welcome person; of a curious frame/’Twas so bright I sat as in a flame; /A foot-stool added.”, enquanto na tradução de Frederico Lourenço está “Levou-me para dentro e trouxe-me um trono incrustado/ de prata, bem trabalhado; pôs-me um banco para os pés.” Obviamente, como a tradução para inglês tem rima e a tradução para português não tem, é normal que haja algumas diferenças. A expressão “my welcome person” é totalmente diferente do que aparece em português, em que nesta frase não se dá ênfase à personagem. Já “of a curious frame” é o equivalente a um trono “bem trabalhado”. Na versão em português, o trono é de prata, e na versão em inglês não vem especificado de que material é constituído. Na tradução de George Chapman, na linha 423 está “for amidst the wine/She mix’d her man-transforming medicine” enquanto na tradução de Frederico Lourenço está “Preparou uma poção numa taça dourada, para que eu bebesse/ mas misturou-lhe uma droga com espírito malévolo”. Na tradução para inglês, o que ela preparou é um remédio que transforma os homens, mas na tradução para português é uma droga com espírito malévolo. Na tradução para português, as palavras parecem sugerir uma associação ao mal, enquanto na tradução para inglês estão palavras mais neutras (ou, pelo menos, que a um português pareceriam mais neutras). Talvez seja porque parece necessário mostrar aos portugueses o que é o mal ou porque eles estão em regra mais ligados à espiritualidade. Por outro lado, verifica-se a utilização da palavra “droga”, que pode significar “medicamento” ou “substância que pode modificar o estado de consciência e normalmente causa habituação”.

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  5. (continuação) Na linha 429 da tradução de George Chapman está “I drew my sword, and charged her, as I meant/To take her life. When out she cried and bent/Beneath my sword her knees, embracing mine”, enquanto na tradução para português está “mas eu, desembainhando a espada afiada de junto/ da coxa, lancei-me contra Circe, como se a quisesse matar./Ela, com um grito, desviou-se e abraçou-me os joelhos”. O leitor pode questionar-se porque estará escrito “as I meant to take her life” em vez de “as if I meant to take her life”. Na tradução para inglês, são os joelhos de Circe que abraçam os de Ulisses, mas na tradução para português é ela que lhe abraça os joelhos. No entanto, enquanto na primeira ela se verga, na segunda “desvia-se”, embora se saiba que para abraçar os joelhos de alguém a pessoa tem de se abaixar. Por isso, parece ser uma versão suavizada, talvez porque nos dias de hoje pareceria excessivo que alguém, especialmente uma feiticeira, se humilhasse desta maneira. Na linha 459 da tradução para inglês está “I said, she swore, when, all the oath-rites said,/I then ascended her adorned bed”, enquanto na tradução para português está “E depois que jurou e pôs termo ao juramento/foi então que subi para a cama lindíssima de Circe.” Em português não aparecem referências a rituais, talvez porque nesta cultura e nesta época jurar é apenas comprometer-se a fazer alguma coisa. Provavelmente hoje em dia pareceria estranho dizer alguém “ascende” a uma cama, porque agora as pessoas tendem a banalizar esta situação. “Ascender” seria algo grandioso.

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  6. Segundo João Barento, “A tradução é, assim, um processo único de leitura-escrita em que um texto é lido e reconstituído noutro código, (…)”. Acrescenta também, que a leitura do texto a traduzir deve ter em conta os vários níveis do texto, que se podem organizar em estratos, nomeadamente: o fonológico, o lexical e o morfossintático; o semântico; o cultural e o pragmático. É com base neste pensamento que analisei as duas traduções, a de George Chapman e a de Frederico Lourenço. A análise pode não ser a mais correta devido ao não conhecimento da língua do texto original.
    Começando pelo estrato fonológico, as diferenças são facilmente percetíveis. Considero que, na tradução de Chapman, foi dada primazia à rima e à aliteração; enquanto que no caso da tradução de Frederico Lourenço, o tradutor optou/teve de optar por manter o sentido e prescindir da rima.
    Em relação ao estrato lexical, encontrei algumas diferenças que se devem, provavelmente, ao facto de existirem diferenças culturais e às suas preferências.
    A sintaxe, por sua vez, segundo João Barrento, pode seguir o método estranhante e o domesticante. Na minha opinião, em relação ao estrato sintático, a tradução de Chapman e a de Frederico Lourenço são, respetivamente, estranhante e domesticante.
    Em relação ao estrato semântico, que se prende ao sentido, considero que a tradução de Frederico Lourenço deu uma maior importância ao sentido que a de Chapman. No entanto, sem ter conhecimento do original é difícil afirmá-lo com certeza.
    Em relação ao estrato cultural, algumas diferenças foram encontradas. Tal deve-se ao facto das tradições, dos hábitos e dos usos divergirem entre si. Considero que a tradução portuguesa voltou a utilizar o método domesticante e a inglesa, respetivamente, o método estranhante.
    Finalmente, em relação ao estrato pragmático, que se refere ao uso e à situação de comunicação, considero que a tradução de Chapman se assemelha ao texto oral por ser um texto corrido. Por outro lado, a tradução portuguesa está dividida por estrofes, como é habitual na poesia.

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  7. Ao ler as duas traduções, torna-se evidente que elas foram feitas em duas épocas diferentes e temporalmente afastadas.
    A de Chapman, que foi feita no século XVII, mostra claramente o estilo daquele tempo: em que as traduções eram feitas de uma forma muito naturalizante, ou seja, como se o próprio Homero tivesse escrito originalmente em inglês. Isso vê-se através do uso de rimas muito regulares que não comprometem o sentido do texto; e o uso constante de linguagem poética típica de Inglaterra daquela época (thou art, thee e ye).
    A de Frederico Lourenço, feita neste século, mostra um estilo mais diferente pois hoje em dia há uma preferência por traduções em que se move o leitor em direcção ao autor fonte (tradução estranhante), ou seja, na tradução não parece como se o texto tivesse sido escrito em português; pelo contrário, esta tradução visa mais mostrar o texto tal como ele é mas simplesmente em português pois já não se encontram rimas algumas em todo o texto, usa-se um vocabulário mais fácil de entender (não se usa a 2ªpessoa do plural “vós” nos discursos ao invés da tradução de Chapman onde o equivalente “thee” é usado constantemente) e, ao longo do texto, não se encontram um registo tão poético como na tradução de Chapman.
    Em resumo, são duas traduções do mesmo original grego que não conhecemos mas percebemos que foram traduzidos em épocas diferente, países diferentes e por pessoas com mentalidades diferentes: um traduziu de forma naturalizante, outro de forma estranhante; um procurou manter o sistema rimático, o outro ignorou-o; um traduziu quase como um adaptador e o outro procurou mostrar o texto original tal como ele era aos leitores não se importando com a forma e a métrica dele.

    Gonçalo Henriques

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