quarta-feira, 18 de março de 2015

Comparação das Traduções do episódio de Circe, Odisseia, por Alexander Pope e Frederico Lourenço (trablaho de Cláudia Lopes, Gonçalo e Ilina)

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A Odisseia é um poema épico da Grécia Antiga atribuído a Homero. Pensa-se que foi escrito entre o século VIII e o século VII a. C. Aqui será realizada a comparação das traduções do episódio de Circe de Alexander Pope (1725) para inglês e de Frederico Lourenço para português (2003), analisando dois excertos que pertencem ao episódio.
Relativamente aos emissores, Alexander Pope nasceu em 1688, em Londres. Teve uma infância de luta contra a enfermidade, levando-o a ser corcunda e a medir cerca de 1,37 m de altura. O seu pai tinha-se convertido ao catolicismo romano, numa época em que este era reprimido em Inglaterra, e os católicos não podiam frequentar universidades nem exercer funções públicas. Ele aprendeu a ler em casa, e aprendeu latim e grego com um padre local. No entanto, tornou-se um grande poeta e ensaísta inglês, tendo escrito nomeadamente An Essay on Man (1733-34). Foi considerado por muitos o satírico mais brilhante da era augustana. Traduziu para inglês o poema épico Ilíada, de Homero, e posteriormente A Odisseia. Frederico Lourenço nasceu em 1963 em Lisboa. É tradutor, ensaísta, escritor e professor universitário. Fez os estudos primários em Inglaterra, onde viveu 13 anos (1965 a 1973). Licenciou-se, em 1988, em Línguas e Literaturas Clássicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutorou-se na mesma universidade, com uma tese sobre os cantos líricos de Eurípides. Embora seja professor associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, desde 2009, tem sido professor de Grego Antigo na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa desde 1990. Em maio de 2003 publicou a tradução da obra Odisseia, com que ganhou o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus e o Grande Prémio de Tradução – APT (Associação Portuguesa de Tradutores) /PEN Club 2003.
Quanto à época, a tradução de Alexander Pope foi publicada em 1725, portanto, durante a época da Restauração, caracterizada por algum conservadorismo na política e ligação ao formalismo Barroco na arte, enquanto a tradução de Frederico Lourenço foi publicada em 2003, ou seja, é contemporânea. 


Em termos de intenção/função textual, ambas as traduções têm como objetivo dar a conhecer uma obra poética às suas culturas de partida, e possivelmente também conferir prestígio aos seus tradutores. Como pretexto da comunicação, Alexander Pope recebeu um pedido para realizar a tradução da Odisseia, depois do sucesso alcançado com a tradução da Ilíada. Nesta tradução, contou com a colaboração de William Broome e Elijah Fenton. Frederico Lourenço, por seu lado, revelou que pretendia colmatar uma lacuna no panorama editorial português, pois não existia até então uma tradução direta, em verso e com a máxima fidelidade ao original. Traduziu a Ilíada em 2005, depois de ter traduzido a Odisseia.
Quanto à estrutura, o texto de partida está em hexâmetro datílico sem rima. Cada dátilo é composto por três sílabas: a primeira é forte e as outras duas são fracas. Havia geralmente uma cesura no meio do verso, para permitir a respiração do declamador. A tradução de Alexander Pope apresenta a forma do dístico heróico (pentâmetro jâmbico com rima emparelhada). A tradução de Frederico Lourenço apresenta verso solto, ritmado, de fôlego amplo. O tradutor procurou, sempre que possível, fazer corresponder a cada verso em grego um verso em português. Foram assinaladas com espaços em branco as possíveis “pausas retóricas” na recitação.
Relativamente ao léxico, a tradução em inglês de Alexander Pope revela o uso de palavras e colocações tendentes à elevação da linguagem, de uso infrequente. Aparecem palavras e expressões como “lofty gates”, “starry studs”, “fraudulent of soul”, “beamy falchion”, “sheath”, “furious I rejoin”, “hoard of grief”, “quaff thy bowls”, “bristled” e “adamantine”. Na tradução de Frederico Lourenço é predominantemente usado um léxico mais geral e menos poético do que na de Pope, mas também aparecem termos com grande intensidade semântica, como por exemplo “portas resplandecentes”, “trono incrustado”, “desembainhar”, “palavras apetrechadas de asas”, “tálamo” (leito conjugal) e “dolo”. Em relação ao registo, destaca-se a elevação da linguagem literária, devido ao léxico, ao dístico heroico e aos arcaísmos como “thou”, “thee”, “thy” “art” e “thine.” Verifica-se também a utilização de contrações, para respeitar a estrutura dos versos. Na tradução de Frederico Lourenço, o registo não é tão elevado e a linguagem é mais próxima da linguagem do leitor atual.
Quanto às figuras de estilo, na tradução de Alexander Pope surgem hipérbatos como “Arrived, before the lofty studs I stay’d”, uma antítese, “Celestial as thou art, yet stand denied;”, perguntas retóricas como “’What art thou?”. Na tradução de Frederico Lourenço há hipérbatos como “És na verdade o astuto Ulisses, que sempre me disse/aportar aqui um dia o Matador de Argos, da vara dourada”, uma personificação, “a casa ressoou”, pleonasmos como “ordenando-me que vá/para o tálamo e que suba para a tua cama”, perguntas retóricas como “Ó Circe, quem é o homem, que seja sensato,/ que ousaria provar da comida e da bebida,/ antes da libertação dos companheiros, antes de os ver?”, e encavalgamentos, como em “Eles ficaram parados à sua frente; ela caminhou/ entre eles, ungindo cada um com outra droga.”.
Em termos de morfossintaxe, na tradução de Alexander Pope a narração está no passado, mas por vezes algumas partes surgem no presente (por exemplo “She leads before and to the feast invites;”), para cumprir o seu objetivo de tornar presente a idade clássica. A maior parte dos versos os verbos estão na voz ativa, mas existem algumas exceções, como “then the word was given”. Na tradução de Frederico Lourenço, a narração decorre sempre no passado e predomina a voz ativa, mas também surge a voz passiva. No que se refere à prosódia e à realização fonológica, a tradução de Alexander Pope apresenta dísticos ritmados em pentâmetro jâmbico, enquanto a tradução de Frederico Lourenço apresenta ritmo e “pausas retóricas”.
Relativamente às referências culturais, na tradução de Alexander Pope, surge “Hermes” e “Troy”, enquanto na de Frederico Lourenço aparece “Matador de Argos” (epíteto de Hermes) e Troia”. Portanto, as referências culturais foram mantidas. Não se encontram presentes referências intertextuais.
Em conclusão, é possível verificar que ambas as traduções são realizadas de acordo com época e a público a que se destinavam. Um leitor português consegue facilmente seguir a narrativa na tradução de Frederico Lourenço.

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