A Odisseia é um poema
épico da Grécia Antiga atribuído a Homero. Pensa-se que foi escrito entre o
século VIII e o século VII a. C. Aqui será realizada a comparação das traduções
do episódio de Circe de Alexander Pope (1725) para inglês e de Frederico
Lourenço para português (2003), analisando dois excertos que pertencem ao
episódio.
Relativamente aos
emissores, Alexander Pope nasceu em 1688, em Londres. Teve uma infância de luta
contra a enfermidade, levando-o a ser corcunda e a medir cerca de 1,37 m de
altura. O seu pai tinha-se convertido ao catolicismo romano, numa época em que este
era reprimido em Inglaterra, e os católicos não podiam frequentar universidades
nem exercer funções públicas. Ele aprendeu a ler em casa, e aprendeu latim e
grego com um padre local. No entanto, tornou-se um grande poeta e ensaísta inglês,
tendo escrito nomeadamente An Essay on
Man (1733-34). Foi considerado por muitos o satírico mais brilhante da era augustana.
Traduziu para inglês o poema épico Ilíada,
de Homero, e posteriormente A Odisseia.
Frederico Lourenço nasceu em 1963 em Lisboa. É tradutor, ensaísta, escritor e
professor universitário. Fez os estudos primários em Inglaterra, onde viveu 13
anos (1965 a 1973). Licenciou-se, em 1988, em Línguas e Literaturas Clássicas
na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutorou-se na mesma
universidade, com uma tese sobre os cantos líricos de Eurípides. Embora seja
professor associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, desde
2009, tem sido professor de Grego Antigo na Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa desde 1990. Em maio de 2003 publicou a tradução da obra Odisseia, com
que ganhou o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus e o Grande Prémio de Tradução –
APT (Associação Portuguesa de Tradutores) /PEN Club 2003.
Quanto à época, a
tradução de Alexander Pope foi publicada em 1725, portanto, durante a época da
Restauração, caracterizada por algum conservadorismo na política e ligação ao
formalismo Barroco na arte, enquanto a tradução de Frederico Lourenço foi
publicada em 2003, ou seja, é contemporânea.
Em termos de
intenção/função textual, ambas as traduções têm como objetivo dar a conhecer
uma obra poética às suas culturas de partida, e possivelmente também conferir
prestígio aos seus tradutores. Como pretexto da comunicação, Alexander Pope recebeu
um pedido para realizar a tradução da Odisseia, depois do sucesso alcançado com
a tradução da Ilíada. Nesta tradução, contou com a colaboração de William
Broome e Elijah Fenton. Frederico Lourenço, por seu lado, revelou que pretendia
colmatar uma lacuna no panorama editorial português, pois não existia até então
uma tradução direta, em verso e com a máxima fidelidade ao original. Traduziu a
Ilíada em 2005, depois de ter traduzido a Odisseia.
Quanto à estrutura, o texto
de partida está em hexâmetro datílico sem rima. Cada dátilo é composto por três
sílabas: a primeira é forte e as outras duas são fracas. Havia geralmente uma
cesura no meio do verso, para permitir a respiração do declamador. A tradução
de Alexander Pope apresenta a forma do dístico heróico (pentâmetro jâmbico com
rima emparelhada). A tradução de Frederico Lourenço apresenta verso solto,
ritmado, de fôlego amplo. O tradutor procurou, sempre que possível, fazer corresponder
a cada verso em grego um verso em português. Foram assinaladas com espaços em
branco as possíveis “pausas retóricas” na recitação.
Relativamente ao léxico,
a tradução em inglês de Alexander Pope revela o uso de palavras e colocações
tendentes à elevação da linguagem, de uso infrequente. Aparecem palavras e expressões
como “lofty gates”, “starry studs”, “fraudulent of soul”, “beamy falchion”, “sheath”,
“furious I rejoin”, “hoard of grief”, “quaff thy bowls”, “bristled” e
“adamantine”. Na tradução de Frederico Lourenço é predominantemente usado um
léxico mais geral e menos poético do que na de Pope, mas também aparecem termos
com grande intensidade semântica, como por exemplo “portas resplandecentes”,
“trono incrustado”, “desembainhar”, “palavras apetrechadas de asas”, “tálamo”
(leito conjugal) e “dolo”. Em relação ao registo, destaca-se
a elevação da linguagem literária, devido ao léxico, ao dístico heroico e aos arcaísmos
como “thou”, “thee”, “thy” “art” e “thine.” Verifica-se também a utilização de
contrações, para respeitar a estrutura dos versos. Na tradução de Frederico
Lourenço, o registo não é tão elevado e a linguagem é mais próxima da linguagem
do leitor atual.
Quanto
às figuras de estilo, na tradução de Alexander Pope surgem hipérbatos como “Arrived,
before the lofty studs I stay’d”, uma antítese, “Celestial as thou art, yet
stand denied;”, perguntas retóricas como “’What art thou?”. Na tradução de
Frederico Lourenço há hipérbatos como “És na verdade o astuto Ulisses, que
sempre me disse/aportar aqui um dia o Matador de Argos, da vara dourada”, uma
personificação, “a casa ressoou”, pleonasmos como “ordenando-me que vá/para o
tálamo e que suba para a tua cama”, perguntas retóricas como “Ó Circe, quem é o
homem, que seja sensato,/ que ousaria provar da comida e da bebida,/ antes da
libertação dos companheiros, antes de os ver?”, e encavalgamentos, como em “Eles
ficaram parados à sua frente; ela caminhou/ entre eles, ungindo cada um com
outra droga.”.
Em
termos de morfossintaxe, na tradução de Alexander Pope a narração está no
passado, mas por vezes algumas partes surgem no presente (por exemplo “She
leads before and to the feast invites;”), para cumprir o seu objetivo de tornar
presente a idade clássica. A maior parte dos versos os verbos estão na voz
ativa, mas existem algumas exceções, como “then the word was given”. Na
tradução de Frederico Lourenço, a narração decorre sempre no passado e predomina
a voz ativa, mas também surge a voz passiva. No que se refere à prosódia e à
realização fonológica, a tradução de Alexander Pope apresenta dísticos ritmados
em pentâmetro jâmbico, enquanto a tradução de Frederico Lourenço apresenta
ritmo e “pausas retóricas”.
Relativamente
às referências culturais, na tradução de Alexander Pope, surge “Hermes” e
“Troy”, enquanto na de Frederico Lourenço aparece “Matador de Argos” (epíteto
de Hermes) e Troia”. Portanto, as referências culturais foram mantidas. Não se
encontram presentes referências intertextuais.
Em
conclusão, é possível verificar que ambas as traduções são realizadas de acordo
com época e a público a que se destinavam. Um leitor português consegue
facilmente seguir a narrativa na tradução de Frederico Lourenço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário